Segunda-feira, 17 de Setembro de 2007
A carga já estava em demasia para a capacidade da carripana, reconheço. E, disse-me ela, que lhe abusei da cilindrada. Talvez. Pronto, arreou, está arreada. Mas a vontade de caminhar, essa dá sinais de ter mais uns mililitros para dar. Adiante, pois. Ficam por aqui os textos em arquivo (Junho 2005 a Outubro 2005).Vou para
aqui.
Nota: Antes de aqui morar, estive
aqui,
aqui e
aqui. Como é que o motor não havia de estar cansado e a entornar óleo? Mas, para já, não fico sem montada. Até ver, é claro.
Adenda: Não demorei muito no
Água Lisa (4). Tão pouco, porque carripana de novo atestada, tive de partir para
aqui e depois para
aqui onde agora circulo.
Saudações do João Tunes
Quinta-feira, 6 de Outubro de 2005
Havendo divergências sobre a fé, a virtude e a santidade, que se salve, para com elas me entender, a irmandade no vício. Já é qualquer coisa.
Talvez a mais corajosa e pertinaz entre as mulheres portuguesas de todos os tempos que lutaram pela liberdade e mais sofreram por isso, nasceu a 6 de Outubro de 1893 e faleceu em 1983, quando tinha noventa anos de idade. Maria Lamas, uma inconformista lutadora que dedicou a maior parte das suas energias à luta pela igualdade entre os géneros e à causa da democracia. E como podia encarar isso o fascismo pidesco, como podia ele reagir perante uma mulher indómita e livre, ou seja, o oposto do paradigma feminino do ideal paroquiano e sacrista do salazarismo? Segundo o católico-fascismo à portuguesa, mulher era para obedecer ao marido, tratar do lar e encomendar almas em missas e no recato. Não podia ser de outra forma Maria Lamas pagou o seu preço de rebeldia, e que preço, pela perseguição, a prisão e o exílio. Além da luta cívica que nunca abandonou até ao fim dos seus dias, Maria Lamas deixa uma obra significativa e eclética como tradutora, escritora e jornalista.
Lembrá-la é um incentivo a que a luta pela liberdade e pela igualdade entre géneros não se dê como terminada. Que mais não seja, para que o património do muito que devemos a Maria Lamas não se esfume pelos buracos da memória.
Agradeço a lembrança da efeméride deixada
aqui e recomendo a leitura desta
nota biográfica.
Imagem: cabeçalho da ficha de Maria Lamas na Pide/DGS.
Quem se lembrou de me fazer soldado e (pior) Oficial ou era maluco ou ditador. Ao ruído e rotina das casernas, sempre preferi o cheiro dos livros ou as fervuras químicas dando novas cores e novos compostos. E as guerras de que gosto são as discussões acaloradas que rasgam madrugadas e que terminam num empate e num abraço, não desperdiçando uma faísca pelo meio. Depois, se possível, fazer qualquer coisa para que as coisas andem melhor.
Quando me lembro que me fizeram soldado, Oficial até, mandando-me para a guerra a servir sacanas e combater irmãos, tenho as minhas dúvidas se acertaram no tempo que me calharam como juventude. Fosse só eu, essa seria a única razão pela qual valeria tanto desacerto. Mas não. Foram muitos, demais.
E depois, não é por nada, mas ninguém gosta de arriscar tudo em empresas inúteis. Como se ser-se soldado e (pior) Oficial não fosse pouco, mandaram-se para uma guerra inútil, estúpida, perdida na nascença, tentando virar a história de patas para o ar.
Lá andei, não disse não, feito soldado e (pior) Oficial. Cumpri. Safei-me. Não foi mau de todo. Agora ando aqui aos trambolhões com a memória, sobretudo pensando nos irmãos-camaradas que lá na guerra, de um e outro lado deixaram de trambolhar, mas não me canso de chamar crime contra a juventude portuguesa à epopeia da defesa do ultramar.
Quarta-feira, 5 de Outubro de 2005
O velho e finado Diário de Lisboa foi um marco na imprensa portuguesa. Eclético, com inspiração democrática, vingava pela qualidade literária do seu jornalismo. E não era por acaso que grande número dos seus redactores eram jornalistas-escritores. No Diário de Lisboa, os leitores procuravam qualidade. E obtinham-na num grau que hoje não tem paralelo na indigência escrita em que mesmo o chamado jornalismo de referência se aproxima perigosamente, em termos de bem cultural e de comunicação, num nivelamento pela baixa do instantâneo, dos jornais de borla do mastiga-e-deita-fora que se impingem nos transportes colectivos e que poluem, em tapetes de lixo de papel impresso, os corredores do metropolitano.
O acaso permitiu que o Diário de Lisboa (a par do República, o outro jornal da casa) tivesse sido o jornal onde ganhei o gosto pela leitura e pela notícia, a iniciação no cheiro do papel de jornal e da tinta fresca vinda dos enconsos das tipografias (antes da modernidade técnica de hoje que torna o jornal num produto a aproximar-se do inodoro, incolor e insípido), a percepção decifradora do jogo de finta à censura. Depois, mais espigadote, continuei fiel ao DL e foi no DL-Juvenil que ganhei o gosto pela escrevinhadela, apoiado pela liderança paternal e exigente de Mário Castrim. E vivi o desaparecimento do DL como a perda lastimável de um património inimitável.
O Diário de Lisboa morreu há muitos anos. A nova geração leitora nem sequer lhe deve lembrar o nome. Mas não morreram todos os leitores que prolongam a memória da paixão pela sua leitura. Por exemplo, o leitor retratado na foto e que, com os seus sete anos e meio, se treinava a soletrar as notícias através desta leitura. E que, agora e blogando aqui, acha que este é o sítio certo para exarar testemunho de uma sua paixão.
Aplausos para o meu amigo
João Carvalho Fernandes, esse veterano da blogosfera que continua a construir o seu blogue com uma frescura própria dos noviços, quando dá conta da posição da União Europeia sobre três prisioneiros políticos em Cuba com problemas graves de saúde José Daniel Ferrer Garcia, Victor Rolando Arroyo e Félix Navarro.
Para os que amam a liberdade, sobretudo aqueles que lhe sentiram a falta quando ela nos faltou, aqueles que consideram que Portugal ficou mais decente quando Tarrafal, Peniche, Aljube e Caxias fecharam as suas portas de vergonha, como aceitar que cidadãos, onde quer que se encontrem, sejam prisioneiros por delito de opinião? Um ditador paranóico não pode valer mais que o direito à liberdade e à democracia. Mesmo tratando-se de um Dinossauro Excelentíssimo.
As vidas de Ferrer Garcia, Rolando Arroyo e Navarro correm perigo. Não os abandonemos às mãos sujas de sangue de Fidel Castro. Merecer a liberdade que temos também passa por exigir a libertação dos presos políticos em Cuba.
Que se pode dizer de se comemorar o 5 de Outubro de 1910? Muito.
Primeiro, um feriado dá imenso jeito a meio da semana. Uma belíssima razão que, para tantos, chega e sobra. Mas sempre digo que o 5 de Outubro é mais.
O 5 de Outubro foi uma ruptura com um passado feudal em que um tonto podia mandar-nos, gozando a vida à pala das cangas. E quando não havia tonto para nos mandar e o povo obedecer, ou lhes minguava o talento de procurarem ministros do reino que aguentassem o barco, sobravam as sotainas dos padrecas para darem com o catecismo dentro da cabeça e meter nas mãos os crucifixos para matarem o desejo de rasgar o destino.
O 5 de Outubro foi a prova do sonho republicano mas também da imaturidade acumulada e a incapacidade de se virar o rumo para paragens mais amplas. Meteram-se padrecas na ordem, deu-se voz às mulheres, alargou-se a instrução pública, deu-se cidadania ao voto, mas o caciquismo dos viscondes foi substituído pelo das famílias jacobinas, cimentou-se a estrutura da divisão abissal entre classes, África continuou com a missão de continuar a ser a árvore das patacas, enfiaram-se os camponeses na morte do lamaçal e dos gases tóxicos das trincheiras da Flandres, esqueceu-se o poder de recuperação e desforra dos senhoritos, padrecas e outros amigos do mando total. Até que a negação do 5 de Outubro, a desforra pela mão de fascistas, militaróides e clérigos, veio cedo, logo em Maio de 1926. Durou pouco, muito pouco, a nossa I República.
Depois, numa noite de 48 anos, a ideia de 5 de Outubro foi ficando cada vez mais naif, consoante o tempo ia passando e o grito de Viva a República! soava a coisa de velhos tontos e de novos com mais olhos que barriga, tão admirado - de chapéu na mão - era o chefe que nos tinha livrado da guerra por manhas bem esgalhadas com um e outro lado, tão sólidos e opulentos pareciam os ministros, os fascistas, os polícias, os curas de aldeia, os regedores, os pides e os bufos, o champas e o espírito santo mais o bullosa e os mellos, tão mansamente o povo deixava ir os seus filhos para a guerra em África e tão silenciosamente recolhia os seus mortos e estropiados. Embora, diga-se, o grito republicano nunca tenha falecido de todo. Sobretudo quando o edíficio católico-fascista se aproximou do peido mestre quando a pretalhada descarrilou do chicote e deu fogo nas peças dos seus gritos de Ipiranga.
Depois, em 1974, quando os sovietes pareciam estar ao alcance da mão, com o povo a mais ordenar, lutando para depois amouchar quando o aparelho estivesse operacional e tomasse conta da paróquia ao som obrigatório e único do Avante, camarada, a ideia do 5 de Outubro continuou velharia, assim a modos que uma coisa de mencheviques ou reaças saudosistas. Porque o Outubro da moda passou a ser um outro.
E hoje? Com a troupe laica e nada jacobina, aliada aos sociais-cristãos que sobraram do guterrismo; com o fernando na galp; o vara na caixa; o vitorino com o pina nas energias; o martins nas contas; o cavaco como reserva das boas contas; o soares e todo o reumático do baronato socialista a quererem rumar a belém; uma senhora de fátima fugida à polícia; o jerónimo a ensinar modos proletas a juízes, militares, polícias e malta amanuense da função pública; o louçã a enganiçar-se mais que um seminarista desafinado; o que sobra do 5 de Outubro? Tudo, digo. Porque, mais que nunca, é tempo de gritar:
- Viva a República!
Terça-feira, 4 de Outubro de 2005
Jorge Sampaio não quis terminar o seu mandato sem prestar a anunciada e devida homenagem aos mártires portugueses do Campo de Concentração do Tarrafal. E aproveitou a ocasião para apelar á renovação dos defensores da democracia. Pelo que
aqui se lê:
O Presidente da República não tem dúvidas de que as frentes de luta são actualmente muito diferentes das do passado, mas precisam sempre de uma permanente renovação da democracia. Por isso, Jorge Sampaio, que liderou os protestos dos estudantes contra o Estado Novo em Lisboa no início da década de 60, não quis terminar o mandato sem prestar esta homenagem, em nome do Estado Democrático e da República Portuguesa, aos 32 mortos no Tarrafal. O Chefe de Estado, que visitou o Tarrafal durante a sua primeira visita de Estado a Cabo Verde em 1997, condecorou em diferentes momentos com a Ordem da Liberdade os presos políticos sobreviventes no Tarrafal.Depois, solenizou a inauguração de uma lápide no Mausoléu dos mortos (assassinados) no Tarrafal onde se lê:
Aos que na longa noite do fascismo foram portadores da chama da liberdade e pela liberdade morreram no campo de concentração do Tarrafal.
É bom que não se esqueça que Salazar instalou em Cabo Verde um campo de concentração concebido e a funcionar segundo o clássico modelo nazi. Que nesse campo de vergonha lusitana, muitos combatentes contra o católico-fascismo foram condenados à morte lenta por, de uma ou outra forma, muitas vezes por ínvios caminhos que levariam se cumpridos os desejos de alguns - a uma ditadura alternativa, devemos à sua coragem de luta andarmos hoje por aqui a gozar da liberdade e da democracia que respiramos como bem que parece brotar das fontes da natureza.
Desse martírio de luta e da perfídia cruel e assassina do católico-fascismo à portuguesa, encorpado em Salazar, Cerejeira e Caetano, não regressaram vivos 32 dos lutadores deportados e internados naquela miserável empresa de tortura, humilhação, doença e morte. Os sobrevivos voltaram combalidos e ostracizados. Envelheceram, depois a doença e a lei da idade cumpriram o destino marcado no envio para o Tarrafal, restando uma meia dúzia para amostra. E, atravessados tantos anos de democracia, em que quase tudo se esquece, nomeadamente que a democracia não é nem nunca foi um dom da natureza, o Tarrafal e os tarrafalistas são uma espécie de relíquia incómoda e fora de moda. Porque, hoje, os heróis são os campeões da Liga do Mercado e do Santo Liberalismo Blasfemo. Entende-se bem, pois que
Edmundo Pedro, um dos presos políticos sobreviventes do Tarrafal, criticou o desprezo dos políticos pelo que aconteceu em Cabo Verde. E considerou que os responsáveis políticos parecem ignorar ao longo de mais de 30 anos de vida democrática o significado daqueles acontecimentos. Um povo que não respeita a sua memória não tem futuro, concluiu.
Jorge Sampaio fez bem ao prestar esta homenagem. Mas, como já disse e repeti, esta homenagem, nos termos limitados em que foi prestada, cobre o Presidente da República e os tarrafalistas portugueses da mancha de um outro esquecimento, ainda mais injusto e inadmissível não se lembrar, pelo menos com o mesmo relevo e honra, as vítimas do Tarrafal na sua segunda fase de funcionamento, quando desde o início dos anos sessenta até 1974, o Campo foi reaberto para internar, torturar e eliminar os militantes africanos anti-coloniais. A meu ver, a distinção privilegiada, feita por omissão nesta homenagem, entre prisioneiros portugueses e africanos, afinal todos sofrendo sob a mesma ignomínia da sanha soberana do Estado português, católico-fascista-pidesco, é prova de um euro-centrismo inadmissível e ofensivo para com os povos irmãos africanos, esquecendo que a luta pela liberdade só faz sentido se for universal. E não entender que a liberdade e a democracia que hoje respiramos deve tanto ao antifascismo metropolitano como ao anticolonialismo africano. Para mal, apenas, dos fascistas, dos pides e dos colonos.
Pior que o esquecimento de Sampaio e dos tarrafalistas, talvez só mesmo a amnésia sobre a luta anticolonial, o sofrimento colonial dos africanos, os internados africanos no Tarrafal, demonstrada em tantos blogues africanistas e saudosos de África, muitas vezes fixados na infância e juventude imbebidas no sortilégio africano do lado branco, ou em fruições cooperantes, de intercâmbio ou amizade, mas que afinal demonstram que esse amor a África é incomensuravelmente superior ao amor aos africanos e ás suas lutas, muitas vezes perversas, sinuosas e pérfidas, para o direito ás suas independências e vidas adultas. Demonstrando que se pode amar um objecto mas não a sua essência. E, como em tudo, a essência de tudo são, só podem ser, as pessoas.
Segunda-feira, 3 de Outubro de 2005
Hoje volto a falar de futebol. Mas que se tranquilizem os outros que não meto bazófia nem venho curtir alegrias fanáticas, muito menos exercitar picardias por males em casas alheias. Porque apoucar adversários é perder todo o gozo de lhes querer ganhar.
Enquanto Portugal vai cumprir calendário (ganhando, é claro) para estar presente no Mundial-2006, a selecção de Angola, no próximo sábado, tem um jogo decisivo contra o Ruanda para se qualificar para a fase final da mesma competição.
Claro que desejo o maior sucesso à equipa dos palancas negras. Para além de outros laços de proximidade, é uma forma de retribuir o modo entusiástico como em Angola, igual nas restantes antigas colónias, se torce e se vibra com os feitos da selecção lusa, demonstrando que esta herança de irmandade futebolística é o laço comum euro-africano mais consistente e persistente (até mais que a língua). E apoio a exigência do
Eugénio e do
Jorge para que a RTP passe o jogo em directo, tanto mais que está assegurada a sua transmissão pela televisão angolana.
Adenda: Para que os brados não fiquem a secar no deserto, aqui ficam os endereços de mail para os quais se devem enviar os apelos para que a RTP transmita, em directo, o jogo Ruanda-Angola: geral@rtp.pt; rtpi@rtp.pt; rtpafrica@rtp.pt; agenda.informacao@rtp.pt; rpublicas@rtp.pt
Poeta maior da nossa modernidade menor,
Cesário, o Verde,
Não alcançou o Século
Da energia nuclear.
Da viagem à lua.
Dos amanhãs que o outro galo cantaria.
Da
Festa do Avante.
Do cimento armado.
Do motor de explosão.
Dos tsunamis revolucionários.
Das alegrias dos futebóis.
Do triunfo da ecologia
E da googlização.
Da bomba que brilhou
Mais do que mil sóis
Em Hiroshima, meu amor.
O Século dos chips
E do chispe de porco liofilizado.
Do Spínola, prussiano,
De monóculo e bengalim
Nas bolanhas da Guiné.
Da farsa da história.
Da caixinha que mudou o mundo.
E que mundo!
Da aspirina e da farinha Amparo.
Da Lili e do Caneco.
Do terror de Tianannmen.
Da Nossa Senhora de Fátima de Felgueiras.
Do Luís Moita aos microfones da Emissora Nacional:
- Rapazes, não cantem o fado!
O século dos comícios da Fonte Luminosa
Ou do povão do garrafão
No Pontal do Portugal sacro-profano.
O século do Portugal de Salazar.
E do O'Neil e do Ruy Belo.
E do Millenium BCP.
O Portugal do maneta.
E o Portugal futuro.
Cesário não conheceu a Amália nem a Marisa
Desta Lisboa que eu amo.
Não conheceu o Sá,
Talvez só o Mário,
Não o Soares, mas o Carneiro
A fazer o pino.
Não figura por isso
No Parque do Isaltino.
Extracto de um poema satírico de Luís Graça inspirado nas presenças e ausências das estátuas de homenagem no Parque dos Poetas em Oeiras (quando a autarquia vivia sob o consulado de Isaltino de Morais).