Segunda-feira, 27 de Junho de 2005
Uma verdadeira preciosidade esta reprodução de 1956 e inserida no
Abrupto.
Para além dessa denúncia espantosa de que, por culpa do governo (que comercializou o futebol e fez dele uma grande fonte de receitas),
este desporto é praticado com a preocupação exclusiva de ganhar jogos e campeonatos (como se qualquer desporto se praticasse, onde quer que fosse, com outros objectivos), temos a denúncia da importação de jogadores estrangeiros para as equipas nacionais como acto de lesa-pátria e roubando postos de trabalho aos praticantes lusos. Se se ler a notícia com atenção repare-se que o Benfica está isento da denúncia do PCP à terrível estrangeirização. Porquê? Porque, na altura e durante vários anos depois, o SLB regia-se por uma decisão, tomada em Assembleia Geral, em que se proibia a contratação de jogadores estrangeiros porque tinha (como os outros clubes) uma inesgotável fonte de recrutamento nas colónias portuguesas. Que, está bem de ver, eram então, para este efeito, portugueses de primeiríssima (a decisão da AG do SLB foi revogada quando as antigas colónias ascenderam à independência). E repare-se também como se saúdam, as visitas a Portugal de equipas amigas do campo socialista (que se presume, pela lógica do jornal, não queriam ganhar jogos nem campeonatos), casos da equipa de futebol da Hungria a Lisboa e
da Checoslováquia a Moçambique. Salazar e o PCP a comungarem do conceito de Portugal com a dimensão de Minho a Timor?
Lembre-se que estamos, no caso da notícia, em
1956. O desvio de direita (que incluía dirigentes depois recuperados por Cunhal e seus futuros fidelíssimos Dias Lourenço, Pedro Soares, Octávio Pato) na direcção do PCP estava no seu pleno (com Cunhal na prisão desde 1949 e Estaline falecido há três anos), este foi o ano do XX Congresso do PCUS (em que Dias Lourenço representou o PCP) e Delgado estava quase a chegar. Pelo meio (em 1957), aconteceria o V Congresso do PCP em que, pela primeira vez, ali se adoptou, sem ambiguidade, o direito dos povos coloniais à autodeterminação e independência. Mas, em 1956 (ainda em 1956!), Moçambique era (para o PCP) tão português como Lisboa.
Como quase sempre, o futebol a demonstrar que é uma excelente metáfora para se chegar à interpretação política?
Domingo, 26 de Junho de 2005
Que fazer quando se caminha cidade dentro e damos de frente com uma esquina com o nome de um amigo estimado pendurado a servir de toponímia?
Paramos, damos um abraço à esquina e ficamos ali de conversa?
Adenda: Esclarece-me o meu amigo Jorge Afonso que o objecto da homenagem toponímica não é ele mas sim um seu homónimo que foi pintor de mérito e contemporâneo de Grão Vasco. O que não altera nada ao sentido do post. Primeiro, não há pintor, por mais talento que possua, que nos retire a primazia de um abraço dirigido a um amigo de verdade. Depois, que melhor alternativa a um abraço num amigo que ficar de conversa com um artista das lides com as cores e as formas? Ao fim e ao cabo, entre um amigo e um pintor (quando ambos não coincidem na mesma pessoa), a diferença é curta - é só passar da estética do afecto à vinda da paleta.
Sábado, 25 de Junho de 2005
De realçar
nesta homenagem:
- A limpidez e o brilho de análise de José Pacheco Pereira aos factos da bruma da história do PCP no tempo da clandestinidade o que não deixa de representar o imenso insólito (e de significado maior) ser um homem do outro lado da barricada o que mais sabe e mais transmite sobre a história dos comunistas portugueses. Uma questão de telhados e paredes, certamente.
- A mensagem vídeo-transmitida do velho resistente caluniado a demonstrar que a dignidade não tem tempo nem idade.
Na imagem, JPP faz o seu depoimento na homenagem a Vasco de Carvalho hoje realizada em Lisboa.
Quando conheci Moçambique já o capitalismo era a ideologia, os americanos os amigos, a corrupção andava pelas esquinas e subia escritórios, Maputo lembrava uma cidade que já tinha sido bonita, a Beira era um puzzle de ruínas, Vila Pery era Chimoio, Porto Amélia virara Pemba, os meninos brincavam no lixo, o crime assustava, contratava-se uma
catorzinha pelo salário de um frango assado, quase todos os dirigentes eram importantes e ricos, cooperantes, ongs e empresários arrotavam a lagosta e geriam o
status quo com a nata frelimista.
Não conheci o Moçambique mandado pelo chicote do fascismo colonial nem o outro Moçambique que fez a festa da Utopia.
Mas com tudo, apesar de tudo, faz hoje trinta anos o que só perdeu pela demora.
Sexta-feira, 24 de Junho de 2005
Quando um dia não são dias e se encontra um Escritor à mão de semear para conversar à sombra do busto de um outro senhor ilustre, o apetite por um abraço pode morar ali com carácter de urgência. Não pelo busto é claro, que isso temos todos sem precisar de ser marcado em pedra, mas por termos no Escritor um amigo.
O bem deste mundo, o do bloganço, é que se encontram palavras com olhos bons metidos lá dentro.
(
foto roubada ao Magude e sobre o lançamento do Xicuembo)
Quando os bloggers se encontram e se descobrem despidos do biombo das palavras, até pode ser uma festa. E bonita de ver.
(Eu gosto de ver os olhos a descobrirem-se. Quando os olhos são bons de olhar, está visto.)
Afinal o mal deste mundo, o do bloganço, é ter palavras a mais e olhos a menos.
(
foto roubada ao Magude e sobre o lançamento do Xicuembo)
Maio 68 foi a
grande construção da
desconstrução dos paradigmas da mudança do mundo. Quase nada conseguiu daquilo que queria conseguir (a burguesia francesa, De Gaulle, reforçaram as suas influências e poderes) mas tendo rompidos os limites sem se perverter,
empurrou o ensino, o mundo do trabalho, as relações profissionais, os modos de vida, as relações interpessoais e os comportamentos para um salto de séculos. Comparando com o
Maio de 68 em França, nenhuma revolução conseguiu fazer sonhar e mudar tanto. Porque
perdeu? Talvez, na medida em que os burocratas não lhe deitaram mão (e bem tentaram, bem tentaram) e assim não conseguiram transformar o contra-poder em poder. Mas, julgo, sobretudo porque não se admitiram limites ao sonho e à imaginação, a derrota, quando veio, já o cansaço estava deitado na cama da desilusão, enquanto o mundo, o nosso mundo, tinha sido desafiado e questionado até ao ponto de não retorno. E hoje, à distância, a revolução de
Maio 68 será aquela a quem todos devemos mais que a todas as outras - vencidas ou vencedoras. Digo
devemos no sentido do relacionamento de cada um com os outros e na nossa
forma de vida. Um
paradoxo, convidando à reflexão, isto de devermos a uma
revolução perdida aquilo que não ganhámos com todas as
revoluções ganhas e por atacado (as de antes e as de depois de
Maio 68).
O pequeno livro de Fernando Pereira Marques (*) (**) sobre a sua experiência de
Maio 68 é uma magnífica revisitação reflectida aos acontecimentos que mudaram as pessoas mais que o mundo, o que será a forma mais eficaz de mudar este mundo. Tendo-o vivido por dentro (na altura, o autor era um jovem exilado político e estudante na Sorbonne), a sua formação académica (na área da sociologia) permite-lhe uma reflexão qualificada de testemunho decantado e refinado pelo passar do tempo. A que, como se isso fosse pouco, se acrescenta o valor de um excelente ensaio-prefácio de Eduardo Lourenço.
(*) A Praia sob a calçada, Fernando Pereira Marques, Editora Âncora.
(**) Fernando Pereira Marques é Académico (na Universidade Lusófona e na Universidade Nova de Lisboa) e director-adjunto da revista
Finisterra. Foi um combatente ao fascismo, encarcerado nas prisões políticas portuguesas, refugiado político em França, dirigente e deputado pelo PS.
Agora que o culto da personalidade voltou a ser autorizado, pelo que se viu das imagens do último comício do PCP em Lisboa, aqui fica um velho Izvestia para inspiração de Casanova na preparação das próximas edições do Avante.
Iejov foi um dos Comissários do Povo mais sádicos entre os que serviram Estaline. O seu antecessor à frente do NKVD (percursor do KGB) foi o Comissário Iagoda. Como Iagoda matava muito mas pouco segundo a sede de Estaline, este mandou fuzilar Iagoda e substituiu-o por Iejov. Agora sim, havia um Comissário a matar que se fartava, tanto que salpicava de sangue o Politburo. E, sobretudo, Iejov adorava assassinar comunistas e seus familiares. Embora matando sempre às ordens de Estaline, deve ter assustado prever quando é que Iejov ia parar nas suas matanças. Então, Estaline achou que era altura de fuzilar Iejov e substitui-lo por Beria. Este novo Comissário também se fartou de matar até que, morto Estaline, lhe calhou a vez de ser fuzilado, agora por ordem de Krustchev.
Uma das especialidades de Iejov, além das torturas e fuzilamentos, era retocar as fotografias com as personagens que tinham participado na Revolução de Outubro. Um qualquer companheiro de Lenine caía em desgraça e, zás, Iejov ia aos arquivos fotográficos e apagava-os da cena. Trotski, por exemplo, tinha sido um dos que tinha dado mais nas vistas nos eventos revolucionários e, foto aqui, foto ali, lá estava ele ao lado do líder. Apagar Trotski das fotos revolucionárias foi uma das maiores canseiras de Iejov mas a tarefa foi levada a bom termo. E a evolução dos textos ia acompanhando a mudança das imagens como a reescrita da história do PCUS em que os antigos dirigentes assassinados ou mal vistos iam desaparecendo dos acontecimentos em que tinham participado com destaque.
Fuzilado Iejov, foi a vez de lhe ser aplicada a técnica do desaparecimento do registo histórico em imagem e nos textos. Se era preciso garantir que Iejov nunca tinha existido, havia que usar a técnica de Iejov ao desaparecido Iejov (muito menos, lembrá-lo ao lado de Estaline). Um caso concreto de feitiço aplicado ao feiticeiro. Compare as imagens do cimo aquele que falta na segunda versão é Iejov.
Imagens retiradas daqui onde se encontram mais exemplos da técnica de Iejov.
Quinta-feira, 23 de Junho de 2005
Esta vai para o
caro Lutz (exímio a desafiar neurónios alheios e homem de liberdade a quem repugnam todas as formas de totalitarismo) para ver como ele se desengoma. Então é assim:
Segundo a
nossa estimada Helena, uma conhecedora dos dramas de Buchenwald:
- Aquele campo de concentração foi aberto para opositores ao regime nazi (comunistas, socialistas, religiosos, etc), durante a guerra funcionou para trabalhadores forçados de várias nacionalidades e, já na fase da ofensiva soviética, para extermínio de judeus trazidos de Auschwitz.
- Libertado e denunciado pelos anglo-americanos, Buchenwald viria a integrar-se na zona de ocupação militar soviética onde seria implantada a RDA.
- Durante a ocupação soviética, e entre 1945 e 1950, Buchenwald, o mesmíssimo campo de concentração de Buchenwald, foi reutilizado com uma nova leva de prisioneiros (não sujeitos a julgamentos ou condenações), desta vez, de novo, alemães (agora por suspeitas de filiação ou simpatia nazis). Terão por lá estado, neste período, 28.455 prisioneiros alemães (segundo fontes russas).
Agora vamos à questão,
caro Lutz:
- Como explica que, relativamente a Buchenwald, a denúncia sobre a utilização nazi do campo seja tão veemente e ecoada e se faça um barulho tão silencioso sobre a sua segunda utilização às ordens de Estaline?(*) Jovens, gozai a Guerra, pois a paz será terrível (frase em voga na Alemanha, quando a perspectiva da derrota nazi se avolumava)