Quinta-feira, 1 de Setembro de 2005

LÁGRIMAS COMO CALCANHAR

1963[1].JPG

Menos um livro em falta na literatura em défice sobre a guerra colonial. Prefiro dizer assim que dizer “mais um livro sobre...”. Porque (falando só do lado português) é incompreensível que uma guerra em três frentes que durou treze anos e mobilizou centenas de milhares e deixou marcas tão fundas, tenha inspirado tão poucas ressonâncias literárias.

O livro (romance) de que trato hoje (*) foi uma agradável surpresa no meio das minhas leituras de Verão. JMS tem uma escrita leve, depurada e impressiva. A realidade e o absurdo da guerra na Guiné está admiravelmente traduzida na transmissão dramática da violência transformadora que a guerra faz nos homens e os homens fazem na guerra. Por outro lado, um interesse maior, a figura do protagonista foge aos extremos da tipificação – nem é o militar patriótico-colonialista-assassino nem o militante anticolonial a curtir raivas da contradição por estar ali no lado errado. Não que não tenham existido magotes de um e outro tipo a fazerem a guerra colonial, mas porque a grande maioria dos militares fardados que andaram pela guerra em África eram os que estavam numa espécie de “meio caminho”. O personagem principal escolhido por JMS (supondo-se que autobiográfico) é um desses – os que aprenderam na guerra o absurdo da guerra e a estupidez particular e insolúvel daquela guerra.

Infelizmente, o que se devia ter sido um livro autobiográfico de crónicas e de memórias (e a parte em que se pode ler assim é excepcionalmente talentosa) subiu até a ambição de ser Romance. E aí, nessa passagem, JMS espalhou-se ao comprido. O enredo sentimental é desastrosamente desconseguido, os rodriguinhos andam á solta, o reencontro do antigo militar com o antigo protegido da tropa colonial agora apparetchick do PAIGC é um desconsolo pela inutilidade perdida na trama.

Resumindo, um livro mais que recomendável. Direi que aconselhável como leitura urgente num panorama editorial em que parece que três terríveis guerras não rasgaram o Ser e o Estar de um povo abandonado porque se abandonou à longa tirania de um teimoso sem escrúpulos, insensível ao sangue e até ser capaz de empurrar um povo para a ravina do absurdo.


(*) - “As Lágrimas de Aquiles” de José Manuel Saraiva, com prefácio de Manuel Alegre – Editora Oficina do Livro









publicado por João Tunes às 15:31
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