
A raiz da minha amizade com o
Leopoldo Amado tem, como tudo, uma história. Nasceu com a blogosfera e os contactos que ela proporciona. Depois veio não só o contacto pessoal como a minha consideração pelo brilho da sua carreira académica e pela descoberta de que ele tinha sido um miúdo guineense (e vão lá uns 35 anos de distância), filho de um funcionário dos Correios, que tinha sido meu vizinho em Catió, no tempo em que lá estive fardado, e que tinha comigo partilhado os medos comuns perante os silvos e deflagrações dos obuses 122 com que Nino Vieira nos enviava a mensagem de que devíamos sair dali rapidamente e em força (ele disse-me com a graça dos sobrevivos: passavam por cima da minha casa antes de aterrarem no teu quartel). Ele, pela sua parte, achará que eu não sou mau rapaz e até escrevinho, vez em vez, umas coisas catitas.
Claro que fiquei inchado de vaidade ao saber que um homem que foi puto meu vizinho é agora um prestigiado académico e com tese quase pronta a defender proximamente na Universidade Clássica de Lisboa e tendo exactamente como tema a Guerra Colonial na Guiné-Bissau (1963-1974).
Pois este meu amigo tem um
blogue chamado
Lamparam. E ele explica como se inspirou para tão aparentemente estranho título:
O termo lamparam designa, no crioulo da Guiné-Bissau, "um engenho tradicional de propulsão normalmente utilizado nas plantações e nas bolanhas da Guiné-Bissau para afugentar a acção predatória das aves sobre as culturas".E eu fico-me para aqui a pensar na imaginativa metáfora que tão bem inspirou o
Leopoldo ao escolher o
Lamparam como título para o seu blogue. É isso mesmo há que cuidar da cultura da memória sem que as aves da rapina dos preconceitos ou da amnésia lhe comam os bagos tão duramente germinados nas dores dos encontros, desencontros e empurrões da história. Não para acusar, porque isso, além do mais, é já tarde para o fazer (e tantos foram e são os que se furtaram ao julgamento da história, falando, é evidente, dos que voltaram e lá ficaram com crimes de sangue a mancharem-lhes as mãos, algumas medalhadas, e que, não contentes, espalham saudades serôdias de revanche por aí). Mas, sobretudo, para não esquecer e conseguirmos, antes, que na memória histórica dos nossos povos (daqui e de África) não fiquem pontos em branco ou manchas negras a darem-nos descontinuidade ao retrato.