Segunda-feira, 29 de Agosto de 2005

ESCOLARIDADE E CHOQUE TECNOLÓGICO

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Através de posts e de comentários, o Miguel Silva tem levantado e tratado a questão de o nível português de escolaridade secundária ser não só o mais baixo da UE como cerca de metade do valor relativo espanhol.

É de, facto um valor terrível – 80% da nossa população não completou o ensino secundário (a IO completou este quadro com a indicação que só muito recentemente se chegou aos 50% dos que completaram o ensino escolar obrigatório, ou seja, os que terminaram com aproveitamento o 9º ano).

Projectando estes números para o ensino superior, chegaremos decerto a números ainda mais desanimadores, face aos padrões europeus, quanto ao número relativo de bacharéis e licenciados.

O que significa pois o resultado da explosão da frequência do Secundário e da Universidade após 1974? Primeiro, que foi uma explosão fraca e insuficiente (um quase fogacho se compararmos com o que se passa além fronteiras). Segundo, havendo de facto um enorme alargamento que dá uma quase sensação de banalização do acesso à Universidade por parte dos jovens, a recuperação do atraso medonho de ignorância e de desqualificação que o fascismo nos deixou como herança, leva décadas a superar.

Entretanto, a nível cultural na “expressão popular” (a mesma que pauta a aversão pela política, pelos políticos e pelos partidos), atenuou-se a tendência reverencial pacóvia para com o “senhor doutor” e “senhor engenheiro” para ir cedendo terreno à consagração do desagrado para com “todos quererem ser doutores ou engenheiros e faltar é gente para trabalhar” (típico de uma sociedade cristalizada na desvalorização do Saber, na teologia do Ter e no empurranço da apreciação do Ser para o pároco, o chefe e a família) .

Concomitantemente, desgraça maior, o mercado de trabalho mostra-se incapaz de absorver um grande número de recém-licenciados e muitos deles são obrigados a, camuflando as suas habilitações “excessivas”, procurarem a sobrevivência económica através de postos de trabalho de fraca qualificação.

Ou seja, os nossos indicadores de escolaridade e qualificação são baixíssimos, faltam empregos para os que se qualificam, socialmente tem baixado o prestígio dos que progridem com sucesso nos estudos.

Como sempre, a pergunta que se impõe é “que fazer?”. Como, neste quadro de aparente beco-sem-saída, dar a volta, procurando afirmar uma nova competitividade em maiores valores incorporados e acrescentados, o que só pode passar por uma mão-de-obra qualificada, a incorporação das modernas tecnologia e na afirmação da diferenciação? E o Miguel Silva acrescenta a estas preocupações uma pergunta-sentença atirada (julgo) à cara do governo e que apanhei por ricochete - ”que choque tecnológico se pode implementar quando 80% da população não completou sequer o ensino secundário?”

Chegado ao ponto de síntese e desânimo do Miguel Silva, surge também a minha discordância para com este tipo de ponto de vista. Porque não vejo que haja forma de gerir no tempo um faseamento social em que qualificamos primeiro e evoluímos depois. Se a exigência e a oportunidade de qualificação não aparecem (de forma a que seja gratificante para um licenciado terminar o curso e entrar no mercado de trabalho) a motivação pela qualificação vai falecendo. E sem esta motivação, aumenta a probabilidade de crescer o abandono e o insucesso escolares. Porque, há que reconhecer, não é imaginável que a melhoria dos indicadores se processe pela mobilização nacional para melhorar as estatísticas.

Nenhum País muda da noite para o dia (trinta anos não foram suficientes para escolarizar decentemente este País!). E as mudanças não só se fazem faseadas como têm, também, de decorrer em vários patamares consonantes. E o fio da meada encontra-se através de um elemento de catálise na mudança. Quanto às motivações para isso, julgo que seja perder tempo esperar que elas se processem pelas mudanças de atitude ou de posicionamento cultural. Terão de surgir factores objectivos que empurrem e imponham a mudança e a tornem gratificante (ou seja, útil e factor de prestígio e de estatuto remuneratório). Assim, o busilis, o mais dramático, o grande impasse, não estará na preocupante desqualificação da nossa população, encontrando-a na fraca e insuficiente receptividade empresarial, social e cultural (política, enfim) às fracções qualificadas que vão surgindo e não são absorvidas. Porque a nossa estrutura empresarial e de actividades continua, esse o nó cego, a assentar predominantemente na competitividade através da qualidade sofrível e do baixo custo salarial (incapaz, já hoje, de se bater com os “especialistas” nestes “produtos” – China, Índia, Paquistão, etc). Ora, não é precisamente a ideia de catálise do desbloqueio que enforma o slogan programático (tão desapreciado quando não ridicularizado pelos do "contra") do “choque tecnológico”? Estarei, caro Miguel, a ser mais socrático que Sócrates? Ou o meu caro amigo descrê, por questão de princípio, de tudo que venha daquela banda?



















publicado por João Tunes às 02:22
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De Miguel Silva a 29 de Agosto de 2005 às 12:02
Não é por descrer em tudo o que vem das bandas deste governo, embora já descreia muito. Até concordo, por princípio, com este tipo de apoios públicos. O João entende que o choque tecnológico tem a vantagem de gerar necessidade de mão-de-obra qualificada. Julgo que isto faz todo o sentido. Mas temos um condicionalismo estrutural que passa pela extrema fragilidade do tecido empresarial. Há uns tempos correu uma outra estatística que versava sobre o nível médio de escolaridade (também assustadoramente baixo) do empresário português. Ora, para que o choque tecnológico gere oferta de emprego qualificado (e, consequentemente, de remunerações adequadas e de prestígio social), é preciso que seja implementado. Assim sendo, pergunto agora: têm as empresas nacionais, na sua maioria micro ou pequenas empresas, geridas por empresários também eles sem qualificações, de implementar uma mudança organizacional deste calibre? Por ter dúvidas dessa capacidade é que prefiro dar ênfase à capacidade da mão-de-obra qualificada gerar um tecido empresarial diferente e, assim, operar a transformação a partir de dentro.

Como é claro, a minha pergunta-sentença, se era para atirar à cara de alguém, era à do governo. Mas aproveitei para variar e usar também outros cantinhos, para além do VE. São as consequências de se ter cantinhos acolhedores; uma pessoa sente-se sempre mais à-vontade para falar.


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