
Um nosso leitor, Rui Silva, enviou-nos este mail que merece transcrição:
Às terras da Pampilhosa da Serra ligam-me os laços de família, das recordações dos seus verdes a perder de vista, das suas gentes simples e boas talhadas à imagem da rudeza das pedras.
Onde sobrevivem tendo tudo, no quase nada que a sociedade próspera do litoral" lhes proporciona.
Onde o comboio não chegou, onde quase lhe quiseram tirar a carreira, onde ninguém passa para dar notícia que existem.
Hoje, contudo, é Verão, lembraram-me as imagens, muitas, dos meios de comunicação social.
Porque no Verão a Pampilhosa da Serra existe, enche os noticiários, preenche a nossa revolta esquecida desde o último Verão.
Agora aguardemos o próximo Verão, esquecendo que ela existe no Outono, no Inverno e na Primavera.
Para nosso descanso de dever cumprido, para que os que lá habitam possam, em silêncio, lamber as feridas e, para que nada se faça para que, no próximo Verão, tornemos a ouvir falar da Pampilhosa da Serra.
Até lá, nós, os donos de quase tudo, esqueceremos que os meios são (ou não são) suficientes, se se deve ou não declarar a calamidade, se se limparam ou não as matas, se se abriram ou não os asseiros, se as florestas estão ou não ordenadas.
Discutiremos, calados, o que vamos dizer que deveríamos ter feito, quando as chamas irromperem no próximo Verão.
Rui SilvaE eu recomento:
- Entendo e partilho os sentimentos que perpassam nas palavras do Rui Silva. E agradeço-lhe. Sem deixar de assinalar (manias estéticas...) o fio da boa prosa com que teceu a sua elegia de desconsolo.
- Digo que não é verdade que os que amam a Pampilhosa da Serra (e falo como achadiço) só dela se lembrem no Verão. Em Abril deste ano, muitos lá estiveram a espremerem e gritarem soluções e saídas que evitassem o não retorno, pensando nos que lá vivem e que são quem a pode salvar. Podem ter sido inúteis os gritos e as propostas, mas gritou-se com direito, pelo menos, à dignidade quixotesca, o que é o mais que podem fazer os cidadãos fora da sertã do poder. Agora, resta ter força para não desistir. O que exige muito mas seria uma nova tragédia se as cinzas fossem amanhadas com o baixar de braços.
- Para além do choro pelo irremediável, raivas cansadas, confio que o Rui Silva se vai juntar aos que não recusam um braço de ajuda àquilo que se gosta com a responsabilidade do gostar.
Nota: Este post é, não podia deixar de ser, uma negação de
escrito recente. Mas a vida é assim arriba acima, arriba abaixo, arriba acima... E nada melhor que um desanimado para nos espevitar a recuperação da vontade de não desistir. Também por isso, obrigado Rui Silva.
Imagem: Evacuados de Sobral Valado, Pampilhosa da Serra, Agosto 2005.