
No Campo de Concentração do Tarrafal, campo de morte lenta do católico-fascismo luso que referi em posts anteriores, utilizaram-se duas formas de tortura-castigo nas situações em que os carcereiros decidiam incrementar sadicamente as condições prisionais de um preso. Na primeira fase, para prisioneiros portugueses, usou-se a Frigideira. Na segunda fase, em que o campo foi reaberto durante a guerra colonial, para presos africanos, recorreu-se a um sucedâneo chamado de Holandinha.
Sobre a Frigideira, remeto para a descrição de
Edmundo Pedro, que foi prisioneiro no Tarrafal:
Era uma cela em cimento armado, um cubo com uma porta em ferro, uma frestazinha em cima, o tecto em cimento e não tinha telhado. Era um forno autêntico, num clima tropical
era sufocante
havia dias em que a temperatura se devia aproximar dos 45 graus
passávamos os dias a suar, tínhamos de andar todos nús. À noite aquilo condensava e caía em cima de nós, parecia um chuveiro
Depois da reabertura do Campo para os militantes anti-coloniais, que durou até 1974, a tortura-castigo passou a ser a Holandinha. O nome atribuído tinha a ver com a sugestão sádica de ser atribuída como estatuto de bom nível de vida. Estando o Campo localizado em Cabo Verde, usava-se como referência o facto de a colónia imigrante entre a diáspora caboverdiana com melhor nível de vida nas remessas para os seus familiares que ficavam no arquipélago era a que trabalhava na Holanda. Logo, Holandinha era um termo que, além da afectividade cínica pelo uso do diminutivo, sugeria abastança e bom estatuto social. E o que era a Holandinha? A sua concepção era idêntica à da Frigideira (uma caixa de cimento, sem janelas nem telhado e com pouca ventilação) mas colocada no interior, dentro da cozinha e mesmo ao lado dos enormes fogões onde os alimentos eram confeccionados (primeiro, os melhores, para os pides e os guardas; depois o rancho para os presos). A tortura consistia em que ao preso enclausurado na Holandinha, além do efeito do calor pela proximidade dos fogões, sem ter direito a alimentação, recebia, pelo ralo respiratório, os odores da sucessão de cozinhados ali ao seu lado. Assim, os presos metidos na Holandinha, além de sujeitos a temperaturas altas e sem capacidade de movimentos, alimentavam-se de cheiros culinários e, inclusive, beneficiavam de partilha olfáctica dos petiscos confeccionados para os pides e restantes carrascos.
Imagem: Edmundo Pedro, na companhia de antigos presos angolanos (da segunda leva) à entrada dos restos da Frigideira em foto recolhida aqui.
Obrigada por nos trazer este tema arrepiante.
E pensar que na antiga Sede da Pide, em Lisboa, vai surgir um condomínio de luxo.
Passei todos os dias, durante anos, pela "escola" da Pide em Sete Rios, sem saber o que aquilo era.
Hoje, está também destruída.
Como pode haver gente que não se indigne com o regime de suspeição - nunca se sabia se o "outro" com quem falávamos era um bufo que nos denunciaria, por nada, só para receber comissão.
Retive esta frase lapidar do texto, no Esplanar:
O Cândido acompanhou esta tragédia toda
No livro dele sobre o Tarrafal dedicou um capítulo à nossa fuga, mas como ele morreu antes do 25 de Abril, o sobrinho, que era do PCP, cortou esse capítulo
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