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Talvez nenhum tema tenha provocado tanta literatura histórica, de testemunho e de análise política (propaganda também e muita) como o da Guerra Civil de Espanha desde que as armas (não a guerra, porque essa os Vencedores só a terminaram em 1975 e com a morte, por doença, de Francisco Franco) se calaram no país nosso vizinho em 1939.
A manutenção da ditadura franquista até 1975, em que seus suportes decisivos foram a censura e a caça à diferença, a versão dos Vencedores foi a única a ser permitida e ensinada a sucessivas gerações. Uma versão unicista e oficiosa que distorceu os factos ao serviço da propaganda de incenso a Franco e ao bando falangista.
O enorme interesse pela
tragédia espanhola e as paixões que ela suscitou por toda a parte, levaram a uma prolixa produção sobre o tema por parte de historiadores de todo o mundo e que hoje é vista, apesar da enorme quantidade, em função sobretudo dos estereótipos construídos (e sedimentados ao longo da guerra fria) e da falta de acesso às fontes relevantes, como enfermando de limitações de monta e, assim, aquém do interesse histórico merecido perante um confronto que deixou um milhão de mortos espanhóis nos campos de batalha, centenas de milhar de exilados e dezenas de milhar de fuzilados (depois, até bem depois do último tiro em batalha) e de presos, condenados a trabalhos forçados e banidos da vida profissional, social e política. Num rosário de vingança dos vencedores sobre os vencidos e que nunca se saciou.
Após a restauração da democracia espanhola em 1975, numa transição que impôs um rei franquista e um
pacto de silêncio para permitir que as elites franquistas conservassem os mandos económicos e a sua integração na nova ordem política, a fase imediata foi de instalação de um monstruoso e sufocante tabu sobre a
guerra civil, sobretudo em nome da
pacificação e impedir que os velhos ódios saíssem à rua. Por outro lado, a Igreja Católica, conivente altíssima com a vitória do nazi-fascismo em Espanha, precisava, para se adaptar a uma nova ordem que já não era de poder absoluto e único e esconder as manchas de sangue que lhes ensoparam as sotainas, que se passasse uma esponja sobre a forma como o clero espanhol se vestiu de
camisa azul e estendeu o braço na bênção à Cruzada de Franco e durante toda a sua tirania.
Com o
pacto de silêncio pós-ditadura combinado entre as elites franquista e democráticas, durante anos, não era incentivado nem era conveniente abordar-se a
guerra civil nos meios académicos e entre os historiadores. O preço pago por este sufoco de espíritos e de estudos foi o prolongamento, já em democracia plena, das versões oficializadas durante anos pelos panegíricos a Franco e pela sua contraposição face a versões de historiadores estrangeiros sem acesso ao essencial das fontes de investigação e apuramento dos factos. Assim, para as novas gerações, crescidas e nascidas em democracia, a memória reduzia-se aos estereótipos acumulados. Na maior parte dos casos, sucedeu-se o desinteresse e a ignorância sobre mais de quarenta anos de história do seu País e cujos traços de marca sobre a sociedade se mantêm presentes e bem presentes.
Na última década, sobretudo devido ao inconformismo de muitos jovens historiadores e alguns familiares dos vencidos, vencidos sem direito a que fosse feita justiça perante o ostracismo e os crimes e violências a que foram sujeitos durante quase meio século, o muro de silêncio vai abanando e hoje existe já uma florescente historiografia, embora ainda com dificuldade de acesso a muitas fontes, que vai colocando os factos e a sua articulação nos planos das realidades e da sua observação distante e isenta. No mínimo, aclarando os enquadramentos elementares do que se passou e que preço tão alto cobrou:
O levantamento de Julho de 1936 foi uma rebelião militar protagonizada por generais africanistas, com o apoio do clero integrista e das forças de domínio social e económico perante uma República com um governo legítimo, saído de eleições livres, para travar as reformas que ameaçavam privilégios.
- Os militares rebeldes não só não conseguiram impor o seu
pronunciamento como, graças ao contributo dos mercenários marroquinos e do apoio do nazi-fascismo, acabaram por impor uma vitória, com elevadíssimo preço, através de uma guerra prolongada.
- A democracia foi vencida em 1939 em Espanha porque as potências democráticas de então (França, Inglaterra e Estados Unidos) se
abstiveram face à intervenção do nazi-fascismo (com receio de o defrontarem) e deixaram o apoio militar à República por conta quase exclusiva do Exército Vermelho, insuficiente e desproporcionado em meios e homens, aos apoios internacionais obtidos por Franco. Assim, a democracia perdeu-se em 1939 em Espanha não no confronto entre espanhóis mas na correlacção de forças entre as intervenções estrangeiras.
- De facto, a guerra civil de Espanha, iniciada em 1936, só teve verdadeiro termo com o regresso da democracia em 1975, porque até ao fim da ditadura os vencedores nunca perdoaram aos vencidos, na determinação de perpetuarem a vingança. E, mesmo assim, ainda hoje, sem que os vencidos tenham direito à recuperação da memória.
Para os interessados numa obra de síntese sobre o tema, para além dos detalhes, recomendo: "Falácias de la Guerra Civil", Carlos Blanco Escolá, Edit Planeta - Col Historia y Sociedad.